Alejo Muniz conseguiu, em 2024, algo raro, quase impossível: oito anos depois de sua última temporada como atleta da principal divisão de surfe da WSL, a liga mundial, o brasileiro se classificou para estar novamente entre os melhores do mundo. Em 2025, o atleta de Santa Catarina será um dos 32 surfistas da elite do esporte.
Mais maduro do que em 2016, seu último ano antes de voltar à "primeira divisão" do surfe mundial, Alejo Muniz carrega até hoje um conselho que recebeu muito antes de tudo isso acontecer. A história do brasileiro, que estreou no antigo WCT em 2011, é cheia de reviravoltas, inspirações e dramas. Mas nada disso apaga o que ouviu do ídolo Kelly Slater há 14 anos.
A chamada para a etapa de Pipeline, que abre o Circuito Mundial, será nesta segunda, às 14h30 (horário de Brasília). A janela vai até o dia 8 de fevereiro, com transmissão dos canais sportv e do ge.globo, que também acompanha as baterias em tempo real.
Na primeira etapa como atleta da elite da WSL, em 2011, Alejo Muniz precisou lidar com a ansiedade de estar entre os melhores do mundo, seus ídolos, e a frustração de não chegar onde queria. Mas foi justamente no momento mais difícil daquelas baterias em Snapper Rocks, na Austrália, que o brasileiro foi consolado por Kelly Slater.
– Eu terminei em quinto. Saí indignado da água quando terminei em quinto. Indignado porque tinha perdido. Aí o Kelly veio, pegou no meu ombro e falou assim: "cara, o que você está fazendo?". Eu falei: "pô, eu deixei a onda para o cara. E ele virou porque eu deixei a onda para a ele, tinha a prioridade e não fui".
– Ele falou: "cara, é o teu primeiro campeonato como atleta do WT (antiga elite do surfe) e você chegou nas quartas de final, cara. Não se apega à derrota. Se apega a essa vitória que você teve para ver tudo o que pode ganhar vencendo os caras que você venceu". E aí aquilo ali abriu um campo gigante na minha cabeça. Tanto é que até hoje o meu primeiro ano do circuito mundial foi o melhor ano da minha vida – lembra Alejo.
Àquela altura, o surfista brasileiro não tinha ideia de tudo o que enfrentaria, e que aquele quinto lugar na Austrália seria besteira perto das dificuldades que teria pela frente. Alejo Muniz ficou entre os melhores surfistas do mundo até 2016, quando não conseguiu se classificar para a temporada seguinte.
Iniciava, ali, a bateria mais longa da vida do atleta, que terminará no dia 27, quando abre a janela de disputas da primeira etapa da WSL em 2025, no Havaí, e ele, finalmente, poderá vestir a lycra com o número 18 nas costas e ser um dos 34 melhores surfistas do mundo.
Em 2016, quando não conseguiu garantir a vaga para seguir na elite do surfe no ano seguinte, Alejo surfou as etapas da temporada ainda com dores no joelho esquerdo, que havia lesionado em 2015. Para estar no mar, inclusive, chegou a fazer uma loucura que não repetiria nove anos depois.
– Fazia quatro meses que eu tinha operado e tomei a decisão de correr o circuito a partir da terceira etapa, que era em Margaret River, em março. E, cara, eu fui para a etapa. Quando eu entrei no avião, eu tinha surfado apenas duas ondas, dois dias antes, na espuma, reto. Eu entrei no avião e falei: "não, eu vou lá competir com os caras, é a minha chance, eu amo isso aqui, eu batalhei muito, eu vou conseguir" – recorda Alejo.
– E, naquele ano, cara, eu acabei competindo machucado, porque fazia apenas quatro meses que eu tinha operado. Nunca consegui (me recuperar 100%). Eu fiz os testes de alta (performance) e eu passei, com quatro meses de cirurgia.
O sacrifício de 2016 não garantiu, porém, a classificação para se manter na elite do surfe em 2017. Num caso desses, o surfista volta para a divisão de acesso, chamada de CT, e passa a surfar outras ondas, fazer outras viagens e a batalhar novamente por uma vaga entre os melhores do mundo. Alejo Muniz ficou nesta situação por oito anos, até conseguir a vaga novamente em 2024.
Neste período, o brasileiro sofreu mais uma lesão no joelho, em 2019, e pensou que sequer conseguiria voltar a surfar - quiçá se classificar para estar, novamente, nas melhores ondas do mundo com os melhores surfistas do mundo.
– Eu passei por duas cirurgias, né? Foram cirurgias muito graves. Eu fiquei pensando: "será que vou conseguir voltar a surfar?". Não era nem competir. E dentro desses oito anos, a única coisa que eu conseguia pensar era: quero voltar para o WT (a WSL), para provar para mim mesmo que eu consigo voltar. Eu me preparei muito. Foram anos de muita dedicação.
– E, dentro desses oito anos, minha maior dificuldade foi que eu chegava muito perto de me classificar e não conseguia. Chegava muito perto e não conseguia. Teve um ano que eu cheguei em sétimo na última etapa, que era em Sunset (Beach, no Havaí). Eu nunca vou me esquecer. Minha bateria era com o Jordy Smith, Wesley Dantas e um menino dos Estados Unidos. E eu estava passando. Se eu passasse, eu teria, tipo, 98% de chance de me garantir no circuito mundial. Faltava 40 segundos para terminar a bateria, entrou uma onda, o Wesley Dantas precisava de 9. Ele fez 9,47 – contou Alejo.
Em oito anos, a vida do surfista brasileiro mudou, é claro. Mais experiente, mais resiliente e, agora, pai. E foi justamente a família quem mais serviu de apoio para que o surfista não desistisse de voltar à WSL.
– O peso deles foi 100%. A minha esposa... Se tinha algum momento que passava pela minha cabeça desistir por estar cansado, ela falava: "Cara, você ama isso, tem que continuar tentando, é o teu propósito, tem que continuar". Ela estava comigo nos momentos em que eu chorava sozinho no quarto porque não tinha classificado mais uma vez ou porque tinha perdido uma etapa. A primeira pessoa que vinha me abraçar e falar que estava tudo bem era ela – disse Alejo.
Outra pessoa, essa mundialmente conhecida no surfe, também foi muito importante para o surfista brasileiro: Adriano de Souza, o Mineirinho. Campeão mundial em 2015, o ex-atleta agora é treinador e ajudou Alejo Muniz a conquistar seu objetivo.
– Um ponto chave, também, que mudou de dois anos para cá, foi a entrada do Adriano de Souza como meu técnico. Cara, ele me fez enxergar o surfe e a competição de uma outra maneira. É muito doido falar isso, porque eu corro campeonato a minha vida inteira. Desde meus 10 anos. Faz 24 anos que eu corro campeonato e uma conversa com o Adriano mudou minha visão completamente sobre o que é o mundo da competição. Para você ver a qualidade dele – contou Alejo.
O surfista não quis revelar o que ouviu do agora treinador, mas o ge conversou com Adriano de Souza para saber o que ele fez para mudar a mentalidade de Alejo Muniz.
– Eu recebi uma ligação dele, porque eu já trabalho com o Miguel (Pupo). Meu trabalho é guiá-lo. Tentar colocá-lo no caminho que me ajudou muito na minha trajetória. Alguns detalhes, algumas dúvidas que eles têm no percurso. Acabo entrando nessas lacunas para preencher, deixá-los tranquilos para performar da melhor maneira possível. Muitas dúvidas aparecem um dia antes da competição, no dia da competição. E a gente vai se moldando para chegar num caminho onde se sintam confortáveis – contou Mineirinho.
– Foi a primeira vez que a gente conversou (a conversa que mudou tudo para Alejo). A gente fez uma viagem de Bombinhas até a Ilha do Mel para surfar. Foi quando ele me convidou para trabalhar com ele. E aí, nesse dia, eu falei para irmos pegar umas ondas junto lá no Paraná. Fomos conversando, ele tinha muitas dúvidas. O momento que ele vivia também era mais sensível. É óbvio que quando você está vulnerável você quer uma saída. Você quer uma válvula de escape para voltar à sua trajetória. Acho que isso foi super importante – completou o treinador.
gora de volta à elite do surfe e aos 34 anos, Alejo não pensa em seguir os passos de Kelly Slater, que fez parte da WSL até os 52 anos. O surfista brasileiro, que carrega até hoje o conselho do maior campeão da história do esporte na bagagem, quer deixar legados para os mais novos.
– Em 2011, eu terminei entre os 10 primeiros do ranking. Nunca nenhum brasileiro tinha terminado entre os 10 primeiros do ranking em sua primeira edição, no ano de "rookie", o ano de estreia. E aquela frase do Kelly Slater mudou meu ano. Então, quem sabe eu consiga ter uma frase dessa, de impacto, para essa nova geração que está entrando no circuito – falou Alejo Muniz.
Alejo já tem pensado em como será sua vida depois que parar de surfar profissionalmente - afinal, não quer seguir os passos de Kelly Slater. Ele espera que, um dia, possa patrocinar novas gerações do surfe brasileiro.
– Eu sempre tive um olhar meio empreendedor desde mais novo. Até o primeiro dinheiro que eu ganhei com o surfe eu fui lá e comprei um terreno. E hoje em dia, cara, tem algumas coisas fora do surfe que eu gosto de fazer e que também me tiram um pouco desse foco porque é necessário em alguns momentos.
– Hoje, inclusive, eu estou fazendo entrevista aqui dentro do escritório da minha marca de pasta de amendoim. O Gabriel (Medina) já comeu, o Yago já comeu, o Ítalo já comeu. E, quem sabe, daqui a pouco eu vou estar patrocinando atletas que vão estar indo para o circuito mundial. Isso seria um sonho – finalizou o surfista.
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