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SURFE

Filipe Toledo se abre sobre depressão e confirma volta à WSL em 2025: “Fiz força para me tratar”

Em entrevista ao ge, bicampeão mundial dá detalhes da luta para se livrar dos problemas emocionais, se diz pronto para voltar ao Circuito Mundial e desabafa: “Ninguém é uma máquina”

26/09/2024 20h55Atualizado há 2 semanas
Por: Redação
Fonte: GloboEsporte.com

O mundo do surfe que se prepare: Filipe Toledo promete voltar com força máxima em 2025. Depois de se afastar do Circuito Mundial da WSL no início de 2024 para tratar da saúde mental, o bicampeão do mundo se diz recuperado. Convivendo com picos de depressão há cinco anos, Filipinho espera retomar o seu melhor surfe na próxima temporada. Em entrevista ao ge direto de sua casa em San Clemente, na Califórnia, o paulista de Ubatuba deu detalhes da luta para recuperar o bem estar emocional.

Apegado à família, Filipe segue fazendo acompanhamento profissional. Os meses tranquilos ao lado dos filhos também contribuíram para a melhora do seu estado emocional. Segundo o surfista, os problemas com a depressão surgiram no início de 2019 após uma derrota para John John Florence na etapa de Bells Beach da WSL, na Austrália. Na conversa, Toledo também relatou que muitas vezes não queria sair de casa, mas "fez força" para se tratar.

- Acho que o primordial é mostrar para o mundo todo que ninguém é máquina. Somos humanos e passamos por isso. (...) - Muitas vezes eu não queria falar, não queria fazer terapia, só queria ficar em casa, mas fiz força para me tratar. Hoje estou bem, vendo os meus filhos crescerem e estou maduro para entender toda essa situação - destacou Toledo durante a conversa.

Confira a entrevista:

Ge: Em 2021, nas Olimpíadas de Tóquio, a Simone Biles surpreendeu o mundo ao se retirar de várias provas por conta da sua saúde mental. Qual foi a importância daquele ato dela naquele momento em que os atletas até então pouco falavam sobre o tema?

Filipe Toledo: Falava-se muito pouco disso e hoje, 2024, foi o ano em que eu mais ouvi falar. Essa atitude que ela teve marcou muito o mundo do esporte. Acho que esse assunto chegou a todo planeta. Todo mundo viu alguma matéria, foto ou vídeo falando da questão dela. E acho que isso só gerou forças para outros atletas entenderem a situação, o quão grave ela é, e tomarem uma atitude. Acho que o primordial é mostrar para o mundo todo que ninguém é máquina. Somos humanos e passamos por isso. Tanto a Simone Biles, que tem não sei quantas medalhas de ouro, como o cara que está começando hoje no esporte.

Como e quando você começou a sentir que não estava bem emocionalmente?

Os primeiros sinais que começaram a aparecer para mim foram no início de 2019. Eu lembro exatamente. A gente estava na Gold Coast, eu perdi uma bateria para o John John (Florence) e, naquele momento, a derrota em si doeu muito. Era o primeiro evento do ano, então tinha acabado de voltar à ativa. Era muita coisa em jogo, e a vontade era abrir o ano com um bom resultado. Depois dali a gente fez Bells Beach, onde eu consegui um resultado legal, fiquei em segundo e na sequência fui para Margaret (River). Então 2019 foi um ano de muita oscilação, onde eu comecei a detectar alguns sinais, alguns sintomas e, no final de 2019, eu me encontrei num lugar onde jamais imaginei que poderia chegar. A gente sempre para e olha: “Poxa, eu tenho tudo, família, amigos, faço o que eu gosto e tal...” Mas não é só sobre isso. Eu tenho muitos anos de profissional com cobranças normais de trabalho, patrocinadores, estando pouco em casa e quase não vendo os meus filhos crescerem. Foi aí que eu vi que tinha que me cuidar, porque a coisa tinha ficado séria a partir daquele momento.

Você já revelou em entrevistas que sofreu com a depressão em alguns momentos. O que você considera que foi indispensável para a sua recuperação?

Foi um momento em que eu me apaguei muito à minha família. Me apaguei muito a Deus e à minha fé e durante muito tempo eu fui me abrindo e falando com a minha esposa. Na época quem trabalhava comigo era o Eduardo Takeshi, e a gente falava muito de coaching, performance, falava dos eventos, como eu estava me sentindo, as coisas que precisava fazer para chegar ao lugar mais alto do pódio... E, de uma certa forma, o surfe ajudou também. Não o surfe de competição. Quando eu piorei, eu não queria ir para a competição, mas tinha que ir. Aí, quando estava na água, não pensava mais em nada, só queria surfar, me divertir pegando boas ondas. Mas, assim, o que me ajudou foi a combinação da minha família, da minha fé com o esporte e o trabalho profissional, que precisou ser feito para que as coisas andassem melhor.

Você é um cara muito família, casado, pai de dois filhos e muito ligado aos pais e aos irmãos. Se você estivesse longe deles o seu processo de recuperação teria sido mais difícil?

Com certeza. Acho que teria sido muito mais doloroso. Acho que enfrentar esse tipo de situação sozinho seria bem mais difícil. No início, consegui detectar os sinais e pedir ajuda. Mas quando o problema vem sem você mais esperar, aí eu acho que é mais difícil. E ter a família por perto, as pessoas que você ama e, obviamente e imprescindível, o trabalho de um profissional, você acaba passando por esse processo de uma forma um pouco mais leve. A coisa vem, passa e você vê a evolução mais rápido também.

Você saiu do Brasil muito novo para morar na Califórnia. Essa mudança mexeu com o seu emocional ou foi positiva nesse sentido?

Quando a gente veio para cá tudo era muito novidade. Porque era muita coisa para a gente ver, conhecer e muitos lugares para surfar. Tinham também os patrocinadores. Era muita coisa nova. Foi uma grande novidade para toda a minha família. Meus irmãos passaram a estudar em escolas muito boas, o que contribuiu para que a gente se estabilizasse aqui. Ainda no meio dessa loucura toda, a minha esposa ficou grávida, o que fez com que a gente pulasse essa fase da adaptação. Depois que esse período passou, eu parei para pensar que gosto muito daqui, mas nós nos sentimos muito solitários, principalmente a minha esposa, porque quando eu viajo ela acaba ficando sozinha. E aqui dentro dos Estados Unidos é tudo mais difícil, o americano é um pouco mais fechado, mais frio, então a gente sente saudade daquele calor do Brasil, daquela movimentação, mas é isso. A gente pensou no futuro, no futuro dos nossos filhos e isso é algo que vai beneficia-los. Mas, quem sabe um dia, a gente não se aposenta no Brasil.

No início desse ano você se afastou do Circuito Mundial para cuidar da saúde mental. Naquele momento você era o atual bicampeão mundial. O que de fato aconteceu?

No final de 2023, depois do segundo título, quando passou todo aquele burburinho de ser bicampeão, de fazer as viagens para o Brasil e dar entrevistas, quando eu consegui acalmar e colocar a cabeça no lugar, aquilo me causou uma ansiedade.

Uma coisa tinha acabado de acabar e já estava voltando tudo de novo. Do final da temporada até a virada para 2024 eu estava tentando entender o que estava acontecendo, quando pintou a hora de vestir a lycra e voltar a competir. Foi aí que eu vi que era o momento de me cuidar. Eu estava indo pelo mesmo caminho de 2019. Dessa vez eu consegui identificar muito mais cedo para poder cuidar disso. E aí foi onde, conversando com o meu time, com a WSL e com os patrocinadores, que resolvi tirar esse tempo para cuidar de mim. Era hora de cuidar da saúde mental, da saúde física, de estar mais presente como pai. E realmente descansar. Então eu realmente tenho zero arrependimento das escolhas que eu tomei e, graças a Deus, eu consegui passar um ano tranquilo. Agora estou sentindo aquela coceirinha para voltar a competir e entregar o meu melhor.

Como é a sua relação com as redes sociais? Você acha que elas mais atrapalham ou ajudam o atleta?

A rede social é aquela coisa, tem o seu lado bom e o seu lado ruim. Olha onde a gente está hoje, com o Gabriel (Medina) com 15 milhões de seguidores e eu com 1 milhão. Então é impactante, ajuda muito, influencia muito. Hoje em dia você vai fechar contrato com uma marca e a primeira coisa que eles pedem é uma análise do Instagram, das métricas, de onde é o público, das porcentagens... Então é muito importante para a gente, tanto que de qualquer lugar do mundo você se comunica com o seu público. Mas tem o seu lado ruim também, né? Há muita gente que não pensa no que pode causar na pessoa que está do outro lado da tela. Então, se você não souber filtrar e não estiver com uma cabeça boa para isso, é muito complicado. Tem muitos atletas e famosos que não conseguem lidar com isso, com pessoas que vão lá só para falar besteira. E é difícil. Eu passei por isso também e com o passar dos anos fui aprendendo a lidar, entendendo, filtrando e hoje sei usar as redes da melhor forma.

Sobre o Circuito Mundial, você se sente confortável em voltar no ano que vem?

Estou tranquilo e esse sempre foi o plano, de descansar esse ano e voltar em 2025. O plano segue igual ao que a gente projetou no início do ano. Estaremos de volta em 2025, preparado e treinado para enfrentar esse Circuito Mundial por mais um tempo.

O que você faz para se cuidar mentalmente? Terapia? Medicamentos? Meditação?

Tenho feito um trabalho com um profissional. Só de não ter essa cobrança de ter que passar, de disputar vaga, de brigar para estar no Finals... Só de não ter isso, de saber que vou acordar e só vou ter que levar os meus filhos à escola, é algo que me dá tranquilidade. Tenho feito o meu treino, tenho me mantido ativo e isso tudo me ajuda nesse processo. E acho que só de estar mais presente em casa, descansando e já mentalizando o ano que vem, isso tudo me deixa bem para me organizar de novo.

Que mensagem você deixaria para as pessoas que te acompanham e estão vulneráveis emocionalmente agora?

 

O principal é buscar ajuda. Ninguém precisa passar por isso sozinho. Obviamente eu cresci num ambiente familiar que me proporcionou estar aqui hoje. Você também tem que se firmar na sua fé. Se tem uma ou não tem, apague-se a alguma. Outra dica é se exercitar, o exercício é um grande remédio, que a gente tem fácil à mão. E o principal: acreditar.

 

Foram quase três anos nessa baixa da minha vida, mas que eu consegui voltar bem e ganhar dois títulos mundiais. Isso acontece na vida de todo mundo, é um processo. Eu fui muito frio em relação a isso também. Eu entendi que estava passando por isso e que uma hora isso ia voltar para mim em coisas boas. Muitas vezes eu não queria falar, não queria fazer terapia, só queria ficar em casa, mas fiz força para me tratar. Hoje estou bem, vendo os meus filhos crescerem e estou maduro para entender toda essa situação.

O que esperar do Filipe Toledo em 2025?

Eu volto mais relaxado, mais tranquilo e vou para cima. Aquele Filipe passivo, tranquilo já era. Vou voltar a ser aquele Filipe mais agressivo do meu início no Circuito. Teremos etapas novas, o Finals vai ser em Fiji e eu vou entrar firme e leve para esse ano que vem aí.

 

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