Aconteceu. Depois de cinco títulos mundiais seguidos, John John Florence apareceu no nosso caminho de novo. Desde a primeira conquista do Brasil, em 2014, com Gabriel Medina, apenas o havaiano furou a bolha brasileira, chegando ao tricampeonato mundial na última sexta-feira, dia 6, em Trestles. Vou escrever sobre o Finals, logicamente, mas como já se passaram uns dias e eu estava em trânsito, sem Internet, vamos começar falando da temporada dos brasileiros no geral.
Para começar, acho ótimo os melhores da temporada regular terem conseguido conquistar o título, pois não gosto do formato de Finals. Acho injusto. Evidentemente que, mesmo tendo essa opinião, mandaria o bom senso para o espaço feliz se o Italo Ferreira e a Tatiana Weston-Webb tivessem cometido a injustiça de terem saído de Trestles com o caneco e iria comemorar.
Para ver como o sarrafo brasileiro está lá em cima, tivemos um vice-campeão mundial e uma terceira colocada e vamos falar da pior temporada do Brasil desde 2017, quando John John conquistou seu segundo título. Ainda tivemos mais dois surfistas entre os sete primeiros do ranking, Yago Dora, em sexto, e Gabriel Medina, em sétimo. Como venho falando nos últimos anos, a competitividade aumentou, por vários motivos, como evolução dos adversários, mudança de critérios de julgamento e mesmo escolha dos locais da etapa que já influenciam como as ondas serão julgadas.
Já estávamos sem Filipe Toledo e João Chianca e a temporada parecia que seria ainda pior após o corte do meio do ano, quando perdemos Miguel e Samuel Pupo, além de Caio Ibelli e Deivid Silva. Para deixar o cenário mais assustador, Italo, Medina, Yago e Tati estavam longe do Top 5 e chegaram a ficar ameaçados pela guilhotina. O risco de não ter representante algum no Finals era real, pois nenhum estava entre os dez primeiros: Italo era o 15º, Medina o 19º e Yago, o 22º. Entre as mulheres, Tati era a a nona.
A segunda metade do ano, porém, foi arrebatadora. Italo venceu duas etapas (Taiti e Brasil), Yago fez duas finais (El Salvador e Brasil), Tati uma final (Fiji) e duas semis (Taiti e Brasil), enquanto Medina chegou a duas semis (Taiti e El Salvador). Desde que entrou no Tour, esta foi a primeira vez que o tricampeão não chegou a uma final numa temporada completa. A reação de Yago e Medina, porém, não foi suficiente para chegarem ao Top 5, mas Italo e Tati salvaram a pátria, entrando no Finals com a quinta colocação.
É lógico que podemos lembrar de baterias mal julgadas que poderiam mudar esta história, como a mais representativa delas, a de Medina contra Cole Houshmand em Bells. Mas isso não define a temporada. Desde que Medina voltou ao Circuito, a impressão é que ele tem de fazer muito mais do que os outros para os juízes soltarem as notas. A dificuldade do brasileiro é proporcionalmente inversa à facilidade do John John, Ethan Ewing, Jack Robinson e até Griffin Colapinto para receberem boas avaliações. Como mostrou Marcelo Boscoli no Por Dentro do Tour, nos últimos anos, sempre que Medina enfrentou os principais nomes, nenhuma bateria apertada foi para ele. Só levou quando conseguiu abrir grande diferença de pontos.
É lógico que podemos lembrar de baterias mal julgadas que poderiam mudar esta história, como a mais representativa delas, a de Medina contra Cole Houshmand em Bells. Mas isso não define a temporada. Desde que Medina voltou ao Circuito, a impressão é que ele tem de fazer muito mais do que os outros para os juízes soltarem as notas. A dificuldade do brasileiro é proporcionalmente inversa à facilidade do John John, Ethan Ewing, Jack Robinson e até Griffin Colapinto para receberem boas avaliações. Como mostrou Marcelo Boscoli no Por Dentro do Tour, nos últimos anos, sempre que Medina enfrentou os principais nomes, nenhuma bateria apertada foi para ele. Só levou quando conseguiu abrir grande diferença de pontos.
De qualquer maneira, acredito que em 2024 já percebemos algumas mudanças positivas em relação ao julgamento. Os aéreos, quando bem executados, voltaram a ser valorizados e isso foi fundamental para a recuperação dos brasileiros na segunda parte da temporada, vide a campanha do Yago em El Salvador e a vitória de Italo em Saquarema, onde os dois voaram e foram recompensados
Já que falamos de aéreos, chegou a hora de atacar o Finals, com o show de Italo Airways. Como falei lá no começo, estava num lugar sem muito acesso à internet, mas consegui acompanhar pelo celular, a partir dos confrontos do Italo contra o Griffin e da Tati contra a Caroline Marks. Apesar de perder a emoção de acompanhar as disputas ao vivo, já deu tempo de ver tudo desde o começo para poder traçar estas linhas.
Como escrevi antes do Finals, Italo no modo Brabo poderia repetir 2022 e chegar à decisão, mesmo saindo da quinta colocação. Instigado, fez uma bateria dura contra o Ethan Ewing, muito perigoso naquele marzinho clean, sem tanto tamanho, delícia para executar as manobras de borda com rabetadas do australiano.
A bateria teve um momento crucial para o brasileiro, não apenas para aquele confronto, mas para todo o dia. Na primeira troca de notas, ele desferiu uma boa pancada no começo e mais nove manobras e tirou 7,67, enquanto Ethan conseguiu 8,33 com três manobras fortes. Italo partiu para os aéreos e percebeu que essa seria a arma para abrir seu caminho até ter o direito de desafiar John John. Foi exatamente com um aéreo na última onda que o brasileiro conseguiu a emocionante virada em cima da virada do adversário e venceu a bateria por 15,47 a 14,83.
O confronto seguinte foi contra o australiano Jack Robinson. Um dos melhores em ondas pesadas, principalmente em tubulares, o australiano já disse que dificilmente teria chances de ser campeão com o Finals em Trestles. Estava coberto de razão, principalmente enfrentando o Italo no modo Brabo. Os dois australianos também foram derrotados pelo campeão olímpico em 2022, quando estava com o mesmo espírito. Italo foi dominante e venceu sem sustos, por 14,57 a 9,94.
Chegou a hora de enfrentar Griffin Colapinto, apontado por mim e por muita gente boa como o grande favorito ao título. Ele foi a grande decepção, na minha opinião. O americano competia em casa, já tinha a experiência de uma derrota dolorida no ano anterior e tem um surfe que se encaixa perfeitamente com a onda de Trestles, mas foi burocrático, pareceu ter medo de ousar e arriscar as manobras.
Italo continuou intenso e Griffin não conseguiu fazer o que se esperava dele; mesmo assim, a bateria foi dura. O brasileiro já começou intimidando na primeira onda. Nenhum dos dois tinha a prioridade e Italo estava mais bem colocado para a direita. Ambos remaram, mas o brasileiro ficou em pé antes, olhou para a direita, fazendo o americano puxar o bico para não tomar uma interferência, e foi para a esquerda.
É verdade que achei as notas do americano um pouquinho acima do que merecia. Por isso realmente temi a virada quando o local pegou uma boa onda quase ao som da buzina de encerramento da bateria. Ele precisava de 7,15, mas os juízes deram 7,00 e não foi suficiente. Tenho certeza de que se fosse no Brasil, com um brasileiro envolvido, iam derrubar o palanque. Dois juízes (um basco e um americano) chegaram a dar a bateria para o americano. Fato é que o “Tornado de San Clemente” ainda precisa respeitar a Brazilian Storm.
Gigante, Italo chegou à grande decisão contra John John e seus conhecidos meio pontinhos a mais em qualquer onda, aliados ao fato de existir uma certa proteção a quem chega como primeiro do ranking. Lógico que não deveria ser assim, mas já percebemos que é. O próprio Italo já tinha sofrido com isso contra Felipinho, em 2022, no primeiro confronto da final. Como bem definiu Pedro Robalinho no Surfe TV, no Finals é como no boxe, o desafiante tem de buscar o nocaute, pois dificilmente ganhará por pontos.
E a grande polêmica do dia foi justamente o primeiro confronto. O julgamento foi bem confuso. Nas notas do Italo, ou o 7,33 do primeiro aéreo foi mais alto do que deveria ter sido ou o 8,00 do segundo ficou abaixo do que merecia numa comparação direta. Pelo que vimos em toda a temporada, para ganhar nota, mesmo que o aéreo tenha boa altura, tem de ser muito bem executado do começo ao fim e o pouso foi sujo, com o brasileiro caindo de costas na onda e se levantando. O segundo foi perfeito e a diferença entre um e outro, menos de um ponto. Não fez sentido.
Vejo nesse segundo aéreo um dos poucos erros do Italo no dia. O aéreo foi perfeito, mas ao aterrissar o brasileiro nem olhou para a onda, que poderia ter tido continuidade, levando a nota para a casa dos nove. John John pegou apenas duas ondas e teve desempenho bem parecido nas duas, fazendo uma primeira manobra de maior risco e impacto e depois levando no que o Edinho Leite chamou na transmissão da WSL de biro-biro power com maestria e muita consciência dos critérios. Em tempo, para os mais novos, biro-biro é quando o surfista surfa bem a onda, mas arrisca pouco. Com a conhecida simpatia dos juízes, aliada ao fato de ser primeiro do ranking, conseguiu as notas e a virada na última onda: 15,55 a 15,33. Não acredito que essa virada sairia se fosse ao contrário.
A segunda bateria, porém, foi realmente do havaiano, apesar de ter sido a que o Italo conseguiu a maior pontuação, mesmo sem voar tanto. John John começou com um 9,70 um pouco exagerado, mas que certamente valia mais de 9,00. A primeira manobra foi um absurdo. Aquele layback característico, com muita velocidade, na parte crítica, já emendando na segunda manobra, sem perder a fluidez. Depois ainda fez uma outra onda 8,43 e deixou o brasileiro precisando de 9,96. Foi praticamente esperar a buzina para comemorar o tricampeonato com uma vitória de 18,13 a 16,30.
Tati também fez bonito em Trestles. Assim como o Italo, saiu de quinto lugar e foi escalando a montanha. A brasileira estreou contra a australiana Molly Picklun, talvez a surfista com o surfe menos adequado para o tipo de onda do Finals. Molly tem mais facilidade nas ondas maiores, com grandes paredes, já a Tati é mais versátil e consegue se destacar também no palco em Trestles. Com duas ondas na casa dos 6,50 logo no começo, a brasileira garantiu a vitória por 12,74 a 9,40.
A bateria seguinte foi contra a costarriquense Brisa Hennessy. Mais à vontade ainda nas ondinhas perfeitas de Trestles, Tati ficou em vantagem ao conseguir um 7,45 em sua segunda onda e ainda marcou 6,27. Numa onda que poderia ter sido um pouco menos, Brisa fez 7,00 e passou a precisar de 6,78 para virar. Com a prioridade, a brasileira não deu chances a adversária e garantiu a vitória por 13,77 a 13,17.
Veio a bateria contra Caroline Marks, a surfista que a derrotara na final dos Jogos Olímpicos em bateria apertada. E a história novamente se repetiu. A bateria foi num momento de maré cheia e séries muito demoradas. Foram apenas três ondas surfadas e cinco notas, pois nas duas primeiras cada surfista foi para lados opostos: a americana apostando no backside para a direita, e Tati indo de frontside para a esquerda. Na troca das notas, a brasileira estava em vantagem, com 6,00 e 7,45, contra 6,70 e 6,50 da americana.
Ao ficar mais próxima da adversária, mas sem a prioridade, Tati não teve a chance de ir para a esquerda quando surgiu a terceira onda da bateria, que ficou para a americana. Precisa e sem cometer erros como de costume, Caroline arrancou um 7,50, faltando menos de cinco minutos para o fim, vencendo por 14,20 a 13,83. Não veio mais onda e Tati teve de se contentar com a terceira colocação. A bateria que poderia ter ido para qualquer um dos lados, mas o surfe sem erros da Caroline foi mais bem avaliado. Eu sou suspeito, mas daria a vitória para a Tati.
Não posso encerrar o texto, porém, sem falar da final entre Caroline e Caitlin Simmers. As americanas deram um show, principalmente nas duas primeiras baterias, coroando o ano espetacular do surfe feminino. As mulheres mostraram atitude e técnica nas ondas pesadas e surfe moderno e de alto nível em todas as condições, mesmo competindo quase sempre nos piores momentos do mar. Apontei Caitlin como a grande favorita no Finals. Ela ganhou, mas foi com mais emoção do que se esperava.
No primeiro confronto, a primeira do ranking liderava com 16,87, mas poucos segundos antes do fim a desafiante arrancou 9,60, a melhor onda do Finals, e virou a bateria para 17,43 a 16,87. Se a primeira bateria já foi um show, o que falar da apresentação de Caitlin na segunda? A menina prodígio abriu a disputa simplesmente com duas notas acima de nove pontos e garantiu a vitória por 18,37 a 14,17. A grande decisão teve menos onda, mas Caitlin voltou a ser dominante, vencendo por 15,16 a 7,17 de Caroline, que não teve nem a chance de surfar uma segunda onda, devido à calmaria.
Ano que vem promete. Não gosto do formato com Finals, mas pelo menos será em Fiji e quem sabe não teremos um confronto de Medina e John John para ver qual dos dois conquista o quarto título primeiro. Já imaginaram? E no feminino, será que a vez de Tati ou a nova geração se manterá no topo?
Já não vejo a hora de a buzina soar em Pipeline.
Sensação
Vento
Umidade